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sexta-feira, 13 de abril de 2012

Afinal de contas, São Miguel Arcanjo está pisando na cabeça de quem



Viajar pelo Brasil é sempre muito bom. Além de conhecer aquilo que a gente vê nos guias de viagem, na TV e nos livros, aparece sempre alguma coisa nova e pitoresca, detalhes interessantes que vale a pena registrar. As cidades históricas de Minas Gerais são um exemplo dessa riqueza.

Ouro Preto tem igrejas e museus imperdíveis, e outros pontos menos conhecidos, talvez meio esquecidos até. A Igreja São Franciso de Paula é um desses pontos turísticos "secundários" de Ouro Preto. A Igreja fica ligeiramente afastada do centro histórico, mas nada que uma boa caminhada não resolva. A construção é simples, e está bem prejudicada pela péssima conservação -- mas isso é assunto pra outro dia.
O que me chamou a atenção nessa igreja foi uma imagem de São Miguel Arcanjo, localizada na lateral do templo.

Conforme os estudos religiosos cristãos, tanto no catolicismo quanto no protestantismo, houve, certa vez, uma batalha no céu, envolvendo anjos e demônios. (Naquele tempo não eram os pregadores ferozes que enfrentavam os demônios, eram os anjos mesmo...) Nessa batalha, destacou-se a figura de São Miguel Arcanjo. Segundo a lenda, São Miguel enfrentou diretamente o diabo, derrotando-o definitivamente. Por essa participação especial, alguns consideram que São Miguel personifique o próprio Cristo.

Com todo esse curriculum, é natural que os artistas tenham retratado São Miguel e sua participação na batalha contra Satanás. Em geral, o que se vê são os traços comuns às imagens religiosas: ora um personagem forte, ora um jovem delicado.
O diabo também é retratado da forma mais usual, às vezes com chifres na testa, e em alguns casos como dragão. Nada muito além disso.
Wikipedia traz uma série de referências interessantes sobre a figura de São Miguel Arcanjo.


Mas o que surpreende o visitante que chega à Igreja São Francisco de Paula, em Ouro Preto? Pra quem gosta de encontrar mensagens subliminares em tudo que é coisa, nem vai precisar fazer muita força...

A construção da igreja foi iniciada em 1804 (auge do uso de mão-de-obra escrava na mineração do ouro), e só foi considerada concluída em 1878. Desde o final do século XVIII, muitos escravos já eram capazes de comprar suas cartas de alforria, em virtude das economias que conseguiam fazer ao longo da vida. Eram os primeiros movimentos na direção de uma consciência abolicionista. Ao longo do século XIX diversos passos foram dados no sentido de acabar com o absurdo da escravidão, culminando com a Lei Áurea. Infelizmente, as cartas de alforria e, posteriormente, a libertação, não eram suficientes para oferecer dignidade ao negro ex-escravo.

Certamente isso foi consequência da postura preconceituosa dos grupos dominantes da época, incluindo aí os financiadores de obras de construção das igrejas, que já se preocupavam em montar "estratégias convincentes" para segregar o negro, colocando-o à margem da sociedade. Nesse sentido, nada mais conveniente que oferecer aos fiéis um Lúcifer negro.



Num ambiente que deveria ser voltado à devoção, um golpe de preconceito e falta de humanidade. E assim caminhava a sociedade brasileira, um passo para frente, vários passos para trás.

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