
Para Romero, o poeta cearense transformava a natureza em matéria de poesia. Mas era, segundo o pesquisador, um caminho de mão dupla porque poesia e natureza ficavam relacionadas, e o trabalho era um ponto de mediação entre a poesia e o sertão. “E esse espaço era constantemente visto por uma poesia que poderia ser expressa numa linguagem matuta, de acordo com o léxico do sertanejo”, acrescenta Romero.
A leitura assídua de grandes escritores e poetas, entre eles Castro Alves e Luís de Camões, ampliava a bagagem cultural de Patativa, apesar de sua pouca escolaridade, fazendo-o ultrapassar a barreira entre o popular e o erudito. Serra de Santana, pequeno sítio deixado pelo pai, era o lugar da inspiração, segundo Romero. A orientadora da dissertação, Suzi Frankl Sperber, acrescenta que não apenas a inspiração ia para o papel, mas também a consciência do ato da escrita. Segundo a docente, ele tinha clareza de que a inspiração lhe era sugerida pelo mundo que o cercava, mas na verdade era elaborada em sua busca de uma harmonia entre imagens, palavras, consciência da pobreza e da diferença social. “Uma coisa que achei extremamente interessante é que Patativa tem uma característica que é muito própria dos poetas em geral, mas fundamentalmente do século 20, que é a consciência do ato de escrever”, explica Suzi.

Inspiração Nordestina, segundo Romero, é a história da memória prodigiosa de Patativa. A obra nasceu da admiração do filólogo José Arraes de Alencar que, maravilhado com o que ouviu em uma das emissoras em que Patativa declamava,o procurou e lhe fez a proposta de publicação. O poeta da terra, apesar de estar inserido no padrão da norma culta, relutou, mas o livro acabou se tornando um marco em sua trajetória poética, segundo o pesquisador.
Com ele, se inaugura um novo momento na poética sertaneja e abrem-se novas possibilidades formais. “Inspiração Nordestina aponta para um novo movimento de criação poética, reinventando tradições e dando voz aos excluídos, emigrantes e camponeses”, pontua Romero. Conforme as observações do pesquisador sobre o livro, Patativa, ao afirmar o valor do mundo rural, reúne léxico, rima, figuras de linguagem e sua metáfora desvela um mundo extenso que vai além do sertão e da realidade local. Para Romero, Patativa sempre se orgulhou da origem de ser um agricultor. “Há poemas em que ele trata claramente da terra e do agricultor”, acrescenta Romero.
Em seu livro As razões da emoção: capítulos de uma poética sertaneja, Cláudio Andrade afirma que Patativa do Assaré talvez seja o poeta “que tratou com maior afinco, inspiração e conhecimento de causa dos problemas referentes à classe camponesa no Brasil”, de acordo com citação de Romero. Ele observa que Patativa tem sensibilidade para compor sobre temas relacionados à desigualdade de condições, à exploração de trabalhadores rurais, à necessidade de reforma agrária, à emigração, à pobreza e à miséria.
A voz tem espaço privilegiado na criação poética de Patativa. A oralidade é um componente revelador de sua obra. O livro mostra a união da letra e da voz. A mesma voz que encantou o escritor e fez com que organizasse um livro. A voz também arrebatou, por meio de ondas médias do rádio, ouvintes como o cantor e compositor Luiz Gonzaga (1912-1989), que rapidamente quis saber quem era o cantador de A Triste Partida. Ao encontrar Patativa, propôs a compra do poema, mas o poeta cearense disse que não vendia obras, mas autorizaria a gravação. Outros poemas do cantador cearense foram musicados, segundo o pesquisador, ratificando uma história bem-sucedida que teve início na composição e na improvisação.

Patativa gostava de compor dentro dos limites da métrica e da rima. Por isso estranhava alguns poetas urbanos que fugiam desse rigor e questionava se não estariam fazendo prosa em vez de poesia, dizendo: “Aquilo é poesia? Aquilo é prosa. Não tem medida, sílaba predominante, não tem tônica e não tem rima! A beleza da poesia é a rima.” Camoniano, ele também dizia que a perda da visão de um olho, na infância, o deixava mais próximo de Camões; quando lia o poeta luso, brincava: “Hoje li Camões. Sou atrevido”. Também enaltecia a obra de Castro Alves e outros escritores com frases assim: “Castro Alves não morrerá nunca, é um monumento da poesia. 24 anos. Se vivesse 50, o que não teria deixado neste mundo?” Graciliano Ramos também estava entre os escritores preferidos de Patativa.
A professora Suzi esclarece que a rima faz com que a poesia seja mais facilmente lembrada e, como ele criava à medida que trabalhava, tinha de usar recursos presentes também na antiguidade e que serviam como auxiliares da memória, pois esta precisaria estar viva e ágil para que ele guardasse poemas inteiros.
Antônio-Patativa
O nome Patativa foi imortalizado nos vários livros, nos créditos de discos e na voz de um intérprete qualquer. O Antônio Gonçalves da Silva ficou eternizado no coração dos familiares e dos amigos de infância e também de moradores antigos de Assaré, antiga vila do Ceará, e hoje um município localizado a 623 quilômetros de Fortaleza. O apelido Patativa foi dado em 1928, durante uma viagem a Belém do Pará, pelo jornalista e advogado do Crato José Carvalho de Brito depois que ele ouviu o poeta cantar. A atribuição está associada à ave que imita muitos cantos para “roubar” o ninho de outros pássaros. Romero, que já teve oportunidade de ouvir a ave ao vivo, garante que o canto é muito bonito.

Agora, pelas mãos de Romero, vêm à tona ainda mais as informações de que sua trajetória literária foi conduzida pela mão na terra e pela cabeça no cheiro de mato, no canto dos pássaros, na verdade nordestina, na lírica, na erudição, mas tudo vivido lá – apesar de uma fugidinha e outra para outros lugares –, nas terras do Serra de Santana, em Assaré, até 2002, ano em que Romero quis conhecê-lo. “Como ele não se fazia mais presente, decidi revivê-lo na dissertação”.
Em determinado trecho do trabalho, Romero enfatiza o que Patativa representa para si e o que deveria representar para o ensino de literatura, que carece de visita a nomes que não figuram na lista dos cânones: “O instrumento do poeta não é a caneta, mas a memória que, assim como a terra, cultiva cada estrofe, alimenta cada verso à medida que a enxada vai abrindo caminho para as sementes. O trabalho, nesse caso, é uma espécie de ‘semente da poesia’, não interrompe a atividade poética. Pelo contrário, o trabalho faz parte das instâncias da criação poética de Patativa, que, através de uma memória prodigiosa, armazena os frutos dessa criação”.FONTE: http://www.unicamp.br
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